terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Ela e o homenzarrão contra inimigos furiosos

Ela vem descendo aquela escada como se cada degrau fosse um inimigo dormindo - não convém pisar com força ou displiscência em um inimigo dormindo, que poderoso que é, não hesitaria em tombar qualquer um que o acordasse.  
 
Põe a mãozinha direita na cara, e a esquerda não põe porque foi feita para segurar a bolsa. Se ela não gostasse muito, tanto assim, de bolsa, as duas mãos estariam na cara cobrindo o rosto - o máximo possível para ninguém ver que ela está com medo do degrau, o bastante para que se possa ver os degraus e calculá-los.
 
Pensa na possibilidade uma em dois trilhões de ter uma catota no nariz e decide voltar para ir ao banheiro. Mas pensa na possibilidade uma em um trilhão de cair da escada ao dar meia volta; e é por comparação de possibilidades que continua a descer, a despeito da catota uma em dois trilhões.
 
Vê o homenzarrão que ama vir correndo na sua direção com cara de quem não viu catota no nariz dela e se sente aliviada duas vezes . Primeiro, porque no nariz dele tem duas, duas catotas. E depois, que o homenzarrão está com cara de quem não se importaria se no nariz dela tivesse catota.
 
O segundo alívio a deixa muito feliz, mas não acredita muito. Não acredita e prefere não utilizar esse alívio para lhe dar o exemplo na hora da bronca. E é como ter um carro de air bag perfeito: você não iria bater com ele de frente a 200km por hora, de frente, se pudesse desviar.
 
O homenzarrão a encontra, segura na mão dela, e ela não se preocupa mais com degrau inimigo. Porque que inimigo seria tão poderoso assim contra um homenzarrão desses?

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Mais ou menos

Roberto tem quarenta e cinco anos, mas eu não tenho certeza.
 
Ele disse que tem quarenta e cinco, mas eu pergutei-lhe que horas eram e ele disse: - Duas e quarenta e cinco. Olhei o relógio da rua, o mesmo que ele tinha olhado, e eram duas e quarenta e quatro.
 
- E agora, como ficamos?

Um pote de Nescau

Atiraram na cabeça de alguém como se fosse um pote de Nescau.

A cabeça da pessoa espatifou-se. E não é mais possível distinguir se é homem ou mulher. Ninguém saberá daquele topete que deu um trabalhão para ficar pronto, da barba propositalmente casual, das opiniões que ele tinha sobre a bandeira da Tchecoslováquia, das leituras de Machados de Assis que ele achava um pau no cu, e de quando ele deu o cu pela primeira vez.

Atiraram na cabeça de alguém como se fosse um pote de Nescau. E ouvi alguém dizer que o assassino não gosta de Nescau.

- Se fosse Toddy, tomaria mais cuidado.

O porteiro e a senhora

O porteiro olhou a senhora com raiva e empinou o nariz o bastante para ela desconfiar - o pouco para não ter certeza - de que ele empinou o nariz. A senhora tinha emprego que paga cinco mil, tinha chocotone Bauducco, tinha tênis de 500 original e tinha apartamento. Mas para entrar no apartamento, tinha o porteiro.

O porteiro espirrou forte, do jeito que porteiro espirra - que só porteiro espirra - para que a senhora do 63 pegasse as cartas com nojo.

Depois colocou a cabeça para fora da guarita para certificar-se de que era ela. Franziu o cenho, voltou para dentro da guarita, abriu a porta da guarita, olhou para a senhora loira que pintou o cabelo recentemente e disse: - Ah!

E abriu o portão.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Onde está Wally?

Uma praia cheia. Faz muito sol e não há nuvens.

No mar, um navio amarelo soltando muita fumaça, deixando um rastro por trás, assim como os outros três navios mais ao fundo; um homem sem camisa maneja um barco à vela; um rapaz loiro surfa de sunga azul; um bote salva-vidas leva quatro velhinhas de cabelos brancos; um pai entra no mar com o filho, que olha para o pai com medo do frio da água e segura-lhe o braço esquerdo com força.

Há um navio pirata. Pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata; rapaz com cabelos penteados sob um gorro com listras verticais amarelas e pretas, óculos fundo de garrafa e olhos arregalados, sorri de orelha grande a orelha grande, mantém várias tralhas em seu pescoço, blusa com listras iguais às do gorro, veste calça pretra e sapato marrom; pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata, pirata.

Na areia, próxima ao mar, uma velha de bengala é cega e caminha. Um homem segura o cachorro pela coleira, mas é o cachorro - mais forte - quem comanda o homem; um guarda segue os dois; a velha de bengala não percebe a aproximação e está prestes a cair; em posição confortável, menino aponta a cena olhando para o pai. Rapaz com cabelos penteados sob um gorro com listras verticais vermelhas e brancas, óculos fundo de garrafa e olhos arregalados, sorri de orelha grande a orelha grande, mantém várias tralhas em seu pescoço, blusa com listras iguais às do gorro, veste calça azul e sapato marrom.

Mais distante, um senhor com cara 51% mendigo, 49% holandês, está deitado na areia com uma lupa e procura; um moço vende sorvete, com três crianças ao redor - o pai de uma delas parece zangado; criança toma sorvete de limão com cara contente; crianças brincam com bola gigante; a bola gigante vai na direção de um sorvete de uma criança, que olha para o pai; mãe olha o mar satisfeita com cara de mãe que não sabe que a filha está tomando sorvete de limão, aquele que mancha a pele.

Moça de cócoras sobre uma toalha vermelha; cidadão porto-riquenho ajoelhado tirando o chapéu para a moça; senhor com os ombros vermelhos; moça de camiseta azul.

Uma praia cheia. Faz muito sol e não há nuvens.

André Cintra e Ewerton Clides iniciam negociações

Clipping automático

Folha Express, 22:56

As especulações sobre a sondagem de André Cintra ao sociólogo Ewerton Clides parecem ter fundamento. Depois de tantas negativas de André, a história se inverteu a ponto de ele mesmo admitir que "há certo sentido" em tantas especulações.

"Ele não é do tipo de sociólogo que não escreve em internet ou para outras pessoas", diz André. "Ter Ewerton Clides em meu blog seriam duas honras: uma honra para mim e outra para ele, já que a admiração é mútua."

Sobre o mal entendido envolvendo os dois, André Cintra diz que "tudo foi resolvido após uma ligação de Juliana à residência oficial de Ewerton Clides", e as negociações iniciaram e já evoluíram.

Curiosa foi a forma de como a idéia surgiu. "Eu não tinha pensado em chamá-lo para meu blog. Mas a imprensa especulou isso sem fundamento algum, e deu a idéia! Por que não chamá-lo? Chamei!", revela André entre risos.

O encaminhar das negociações indicará quando Ewerton Clides escreverá no blog, e se escreverá. Mas André está animado e não medirá esforços para concretizar a contratação, a ser visto que o número de visitantes no Eu não sou virgem, Maria! triplicou desde o início das especulações.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Mete a boca oca #3

Quando me fazem perguntas, sinto-me lisongeado. Olho secamente para a pessoa com a satisfação de saber que ela pensa que eu sou uma pessoa que sabe da resposta.

Há também quem pergunte a outra pessoa por esta ser uma pessoa que sabe respostas. É um nível superior. Vejamos:

A pessoa que sabe da resposta é específica. É como perguntar a alguém de relógio:

- Que horas são?

E a pessoa que sabe de respostas é uma pessoa em quem se confia, em quem se sabe que sabe. É assim que me senti quando Gengis perguntou-me, aqui mesmo neste blog:

- O que você acha do crescente número de ciclistas no litoral paulista?

Resposta: Fico encantado que cresça o número de ciclistas no litoral paulista, Gengis. A bicicleta, além de preservar o ar ao utilizá-la no lugar de um carro, reforça os glúteos.

Assim, as pessoas do litoral viverão mais tempo e verão glúteos mais bonitos. Ou melhor: - Verão glúteos mais bonitos por mais tempo.

Eu não me interesso por glúteos de ciclistas. A única coisa que me encuca é que o aumento de ciclistas aumenta o número de quedas de bicicletas. Mas isto favorece o aumento da venda de joelheiras e capacetes.

Gengis. Perceba que a economia será favorecida, e a criação de empregos no ramo de produção de joelheiras e capacete é considerável.

Fora isso, Gengis, não sei. Mas obrigado por perguntar.

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Você, leitor deste blog, pode fazer perguntas. Isso mesmo, pergunte para sua mãe, pergunte para o cobrador do ônibus, pergunte para quem quiser!

Mas a novidade é que também é possível perguntar para mim! E eu respondo.

sábado, 12 de janeiro de 2008

André Cintra atravessa a rua sem ser pego

Após atravessar a rua Monte Alegre na última terça-feira olhando somente para um lado, o brasileiro André Cintra admitiu que só conseguiu êxito por saber que a rua é de mão única.

"Sempre passei por aqui e sei que aqui os carros não sobem - só descem. Por isso, olho somente para cima e sei que não vem nenhum carro de baixo", afirmou o estudante e trabalhador.

A tranqüilidade de André contrasta com a irresponsabilidade de motoristas do Brasil, que chegam até a pagar pela carteira de motorista, sem as habilidades requerentes a quem dirige.

"Sei que não é muito recomendável confiar assim na prudência dos outros. Mas já estou na faixa, a rua é de mão única... Só se vier um louco, para me atropelar! Mesmo que tenha comprado a carteira, a pessoa tem que estar mais louca que porco espinho arrepiado!", disse.

Além da prudência que lhe é natural, André apela também para os instintos auditivos para não ser pego de surpresa. "Sempre fico com os ouvidos bem ouriçados! Porque carro nunca é silencioso. Posso atravessar tranqüilamente a rua de olhos fechados se não ouvir nenhum barulhinho."

Hoje, André atravessa a rua tranqüilamente, mas nem sempre foi assim. Quando tinha dez anos, um carro quebrou o espelho retrovisor lateral em sua bacia.

"Eu estava esperando para atravessar, e tinha muita pressa - porque além de Coca, tinha bife à milanesa. Aí estava quase no meio da rua. A moça ia virar e bateu o espelho com tudo em mim, na bacia", revela.

André leva nesta terça-feira sua rotina tranqüilamente, e pelo que estima, pretende atravessar 27 ruas, embora não as conte conscientemente.

André Cintra corta o cabelo

Quem pensava que André Cintra fosse manter o cabelo da altura que estava, muito se enganou. Na tarde deste sábado, André cortou o cabelo no salão de beleza Les Amis, zona sul de São Paulo, e agora espera não mais ser comparado a um leão.

"Fui muito comparado a leões nos últimos dias, creio que por causa do cabelo", revela. "Isto não chega a me incomodar. Gosto muito de leões, seria até uma forma de homenageá-los".

Mas quem não gosta de leões é a namorada do estudante de jornalismo. "Aquilo estava muito feio, precisando de uma hidratação! Cortar era a melhor solução, para começar um novo corte, do zero.", diz Juliana, a namorada. "Se ele cuidasse, tudo bem. Como não cuida, tem que passar a tesoura!"

O corte escolhido foi o tradicional, e não houve incidentes. Assim, André espera cortar o cabelo novamente somente daqui a noventa dias, quando seus cabelos estiverem com comprimento aproximado ao que estava hoje pela manhã, antes do corte.

Tudo durou certa de vinte minutos e custou vinte reais aos cofres de André, aproximadamente 5% de seu orçamento mensal.

Mete a boca oca #2

Wilson, leitor deste blog, talvez seja uma pessoa muito curiosa.

(Gastei muito tempo para escrever a primeira linha deste post. Eu ia dizer que Wilson é curioso, mas como saber? Talvez ele não seja curioso e tenha feito somente duas perguntas. Eu não me importo com preconceitos. Me importo é com Wilson.)

Wilson ficou satisfeito com minha resposta. E fez uma pergunta que nada tem a ver com blogs.

Perguntou-me: Por que abóbora é laranja e laranja não é abóbora?

Resposta: Quando dizemos que abóbora é laranja, queremos dizer que a cor dela é laranja, talvez alaranjada. Isso: laranja é cor e fruta.

E não se pode dizer que laranja é abóbora, porque abóbora não é cor, só é fruta.

Em sua pergunta de efeito, a matemática não cabe, Wilson. Ou seja: abóbora = laranja e laranja = abóbora não são equações plausíveis.

Para simplificarmos a sua pergunta, transcrevâmo-la de outra forma: "Por que a fruta abóbora tem a cor laranja e a fruta laranja não é a fruta abóbora?"

Perceba que uma fruta é só uma fruta, não outra fruta.

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Você, leitor deste blog, pode fazer perguntas. Isso mesmo, pergunte para sua mãe, pergunte para o cobrador do ônibus, pergunte para quem quiser!

Mas a novidade é que também é possível perguntar para mim! E eu respondo.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Mete a boca oca

Quem inaugura o espaço de perguntas do leitor é Wilson, que perguntou:

- É possível comentar neste blog?

Wilson, antes de você perguntar, eu não sabia a resposta. Mas como eu soube da sua pergunta, posso responder-lhe seguramente que:

Resposta: Sim.

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Você, leitor deste blog, pode fazer perguntas. Isso mesmo, pergunte para sua mãe, pergunte para o cobrador do ônibus, pergunte para quem quiser!

Mas a novidade é que também é possível perguntar para mim! E eu respondo.

Ewerton Clides desmente sondagens de blog

Clippagem automática

Folha Express, 22:56

O sociólogo Ewerton Clides desmentiu nesta sexta-feira que tenha sido convidado para escrever no blog Eu não sou virgem, Maria! Ewerton Clides alegou que não pretende escrever em outros blogs, já que tem muito trabalho para manter o próprio.

"Meu blog ocupa grande tempo da minha vida. Claro que não ocupa parte majoritária da minha vida, mas sete minutos por dia para mim equivale, em produção, às suas seis horas de trabalho ridículo, queridinha", diz Ewerton Clides. "E tome lá cuidado para escrever sempre Ewerton Clides, nunca somente Ewerton ou somente Clides!", recomenda.

Os boatos de que Ewerton Clides iria escrever para o blog começaram quando uma câmera flagrou Ewerton Clides conversando com o dono do blog. "Eles estavam discretos. Ewerton Clides se vestia de marrom e media um metro e cinqüenta e dois, creio.", conta o cinegrafista amador.

Mas as especulações terminam por aí. André Ursípedes, ou Cintra, quando perguntado sobre o ocorrido desmentiu tudo. "É claro que seria uma honra magnífica contar com Ewerton Clides em meu blog, mas acontece, minha chapa, que ele ficou furioso comigo! Ele achou que perguntei da falecida mãe dele."

E por isso, as relações dos dois estão estremecidas, o que inviabiliza qualquer tipo de parceria.

Enquanto isso, Ewerton Clides lançou seu novo livro, A economia aquática, e André não lançou livro nenhum.

Adriane Galisteu

Uma moça de aparentemente 18 anos se aproximou de mim e cutucou-me com a bengala. Quer bolo, quer? Ela me perguntou assim. Eu disse, bolo de quê? Porque cavalo dado a gente não olha os dentes, né? Mas o cavalo que ainda não foi dado, a gente pode olhar o que quiser, para não ficar com um cavalo inútil. Ou para não ficar com um cavalo, para quem não gosta de cavalo.

É. Imagina se você mora em um apartamento. Você está em sua casa, descascando batata, e escuta no corredor um barulhão o dia todo, mas não quer olhar para não se meter. Aí toca a campainha e é um amigo seu com um cavalo para você.

- É teu!

Mas eu não moro em um apartamento, você diria antes, se o cavalo não fosse seu.

Tem gente que dá cavalos dados que não se olham os dentes para se livrar de cavalos doentes.

A moça disse que o bolo era de chocolate, e eu aceitei. Disse para a moça: Agora você já pode casar! Mas eu já sou casada, ela disse. Aí que eu reparei que olhei as velinhas ao contrário. Não eram 18. Aquela mulher estava fazendo oitenta e um anos!

Pedro Bial

Passo 51% de meu tempo odiando o Pedro Bial secamente. É uma coisa simples. Todo o resto de minha vida - a cor da minha escova de dente, o grau de salinidade de gel que eu não uso no cabelo, a cor da minha unha, a sujeira debaixo da minha unha, os pêlos do meu cabelo, a marca do xampu - ocupa 49% de toda a minha existência. E mesmo menor numericamente, estes itens ocupam maior espaço para contar. Não sei por quê.

Sondagens a Ewerton Clides

Não confirmo as sondagens a Ewerton Clides de que tenho sido acusado.

Isto tudo vem de um encontro que com ele tive na última terça-feira, no litoral paulista, em frente a uma padaria rústica. Disse-lhe somente "Olá, Ewerton Clides, tudo bem com a sua mão?", ao que ele respondeu "Isto não é pergunta que se faça!"

Ou seja. Pelo mesmo motivo de que surgiram boatos de que Ewerton Clides estaria assinando carta de intenção para escrever neste blog, é que Ewerton Clides não escreverá neste blog tão logo.

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Como sou um pouco fanho, quero dizer a Ewerton Clides que tenho a certeza de que ele se irritou com a minha pergunta por ter pensado que perguntei se está tudo bem com a mãe dele, a morta, não com a mão acidentada na semana passada.

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Ewerton Clides machucou a mão na semana passada ao tentar alcançar um livro antigo de sua coleção. Este livro estava muito em cima, e Ewerton Clides teve que apoiar o pé em lugares não muito confiáveis, como livros sociológicos.

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Livros sociológicos não são confiáveis para se apoiar os pés, quanto menos para se ler. É possível reparar que esse tipo de livro é sempre envernizado na capa, deixando-o escorregadio em contato com outros livros, quanto mais com outros livros de sociologia. A próxima parte é um recado exclusivo a Ewerton Clides, portanto não o leia.

André Ursípedes

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Ewerton Clides, você não deve se irritar assim com minha pergunta. Tenha a humildade de dizer "Quê?". Você sabe que não irei responder queijo, como aquele jovem da última semana.